segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O caminho das águas!


Devido à sua localização, obras do complexo hidrelétrico formado pelas usinas de Anta e Simplício, na divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, vêm exigindo soluções de engenharia ousadas e criativas

A construção das usinas hidrelétricas interligadas de Anta e Simplício, na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, é um projeto ousado de Furnas Centrais Elétricas. O Rio Paraíba do Sul, por meio de uma seqüência de canais, túneis e diques, terá suas águas represadas. Através de condutos forçados escavados na rocha, as águas serão conduzidas para movimentar as turbinas na casa de força de Simplício, com uma queda superior a 100 m de altura. É esse complexo desafio de engenharia e logística que há um ano vem sendo enfrentado pela Odebrecht (líder) e a Andrade Gutierrez, reunidas no Consórcio Construtor Simplício.

As águas do Rio Paraíba do Sul estão sendo transpostas para uma sucessão de vales localizados atrás das colinas que se erguem à margem esquerda do rio, nos municípios mineiros de Chiador e Além Paraíba, por onde correrão em uma cota acima do rio, da cidade fluminense de Sapucaia, de duas rodovias e de uma ferrovia.

A barragem de Anta, na divisa dos municípios de Sapucaia e Chiador, que represará as águas do Paraíba do Sul, será de concreto compactado com rolo (CCR) e elevará o nível do reservatório à cota 251,5 m. As obras de integração (canais, diques e túneis), a serem executadas a partir da margem esquerda, formarão a estrutura de adução até a Usina de Simplício.

Solução de engenharia

A complexidade da obra exigiu soluções criativas de engenharia, salienta José Tomaz, mineiro de Uberaba, Responsável por Engenharia, que ingressou na Odebrecht há oito anos. “A área a ser inundada, somando todos os reservatórios, é de apenas 15,36 km2”, ele destaca. Trata-se de uma relação potência instalada/área inundada superior a 10 MW/km2, o que credencia o complexo hidrelétrico de Anta/Simplício a obter créditos de carbono pelos critérios do Protocolo de Kyoto. Os créditos de carbono são certificados emitidos quando há mitigação da poluição.

A mobilização para o projeto foi iniciada em janeiro de 2007, quando ocorreu a emissão da Licença de Instalação (LI) pelo Ibama. Foi preciso primeiro ampliar, abrir e forrar 75 km de estradas de serviço para dar acesso às diversas frentes de trabalho espalhadas ao longo dos 25 km que separam uma usina e outra.
“Uma grande obra, um grande desafio”, observa Ivan Bronzatti, gaúcho de Cruz Alta, Responsável Administrativo do consórcio, que ingressou na Odebrecht há 11 anos como trainee. “Atualmente mais de 2 mil refeições por dia precisam chegar a seis refeitórios, distribuídas por dois caminhões-baú ao longo da obra.” Ivan se diz impressionado e motivado com o desafio logístico da obra de Simplício. “É totalmente diferente de uma obra centralizada, e todas as estratégias devem ser analisadas e planejadas de acordo com essa realidade, para que os recursos de apoio à produção sejam bem-aplicados. Temos três canteiros principais, cinco ambulatórios médicos, quatro ambulâncias, seis refeitórios e uma frota de 35 ônibus para atender 2,5 mil trabalhadores”, ele informa. No pico da obra, previsto para outubro de 2008, serão 3,5 mil integrantes.

Um dos maiores túneis do Brasil

Entre os sete túneis (todos com seção de 214,5 m2), o mais extenso é o túnel 3, com 6 km de extensão. Quando ele estiver concluído, será um dos maiores do país em projetos hidrelétricos. Ligará dois vales: o do Reservatório de Calçado e o do Reservatório de Antonina. O avanço das frentes no túnel tem sido de 100 m a 120 m por mês, com o imprescindível apoio de máquinas do tipo Jumbo, que realizam o trabalho de perfuração. ”Acredito que temos aqui em Simplício a maior concentração de Jumbos, em uma mesma obra, no Brasil”, estima o paulista Hélio Bispo, Responsável por Produção na obra. Quatro Jumbos são computadorizados e contam com o aparelho TCAD (um software que permite a marcação do plano de perfuração a laser), e dois são simples e precisam da marcação do pessoal da topografia para a perfuração. Esses equipamentos perfurarão cerca de 10,2 km, o que é a soma dos sete túneis previstos no projeto do Complexo Hidrelétrico de Simplício.

Reunir equipamentos em quantidade suficiente e encontrar operadores treinados e com experiência são outros desafio do projeto. Gente como Francisco Canindé da Silva, potiguar, de 42 anos, operador de Jumbo há mais de 20 anos, e que foi recrutado na obra da Linha 4 do Metrô de São Paulo. “Comecei como operador de perfuratriz, passei por muitos treinamentos até chegar a navegar pela programação TCAD deste equipamento.”

O trabalho de perfuração dos sete túneis irá gerar cerca de 2,5 milhões de m3 de rochas. Esse material será utilizado nas ensecadeiras a montante e a jusante da barragem de Anta, assim como na construção dos oito diques que vão represar as águas dos cinco reservatórios, e no revestimento dos taludes dos canais de ligação. Só para erguer os diques serão necessários cerca de 4 milhões de m3 de aterros.

Segundo Luiz Sergio Ferraz da Costa, Diretor de Contrato das usinas de Anta e Simplício, ”a logística complexa da obra requer uma boa estrutura de supervisão, com muita escavação e terraplenagem e pouco concreto”. De acordo com esse mineiro de Juiz de Fora, que iniciou a profissão como estagiário na Odebrecht há 30 anos, “os túneis sempre têm a sua complexidade. Mas aqui, o desafio é a geologia do solo nos canais a céu aberto”. Ele observa que os solos são instáveis e por isso a abertura dos canais é mais delicada. “É preciso escavar e, ao mesmo tempo, realizar os trabalhos de drenagem e proteção dos taludes, com maior demanda de equipamentos e trabalhadores.”

A movimentação de terra, rocha e aterros é feita por uma frota de 335 equipamentos entre caminhões fora de estrada e basculantes, tratores, pás carregadeiras, escavadeiras, manipuladores e outros distribuídos pelas frentes de trabalho. A movimentação desses equipamentos exige um complexo sistema de comunicação, com uma infinidade de rádios portáteis. Foi preciso ainda erguer quatro torres de transmissão para dados, voz e para os rádios de longa distância instalados em pontos fixos e em veículos, porque a distância e a topografia dificultam a comunicação.
A gestão das equipes de segurança e saúde do trabalho requer cuidados especiais. As 2,5 mil pessoas são acompanhadas por técnicos de segurança do trabalho distribuídos nas frentes de serviço. Eles realizam análise de risco, treinamento diário do trabalho, treinamento de procedimentos operacionais, monitoramento das atividades, emissão de permissão para trabalho, controle de trabalhadores no interior dos túneis, isolamento de área para detonação de explosivos e inspeções de segurança. O engenheiro de segurança Jadyr Prudente Quintela, fluminense de Barra do Piraí, Responsável por Segurança e Meio Ambiente, relaciona, entre os riscos diários, o trabalho nos túneis e nas áreas de detonações a céu aberto, a terraplenagem com escavação, transporte e lançamento de solo, os serviços em altura, a montagem dos canteiros de obra e das centrais de concreto e britagem de Anta e Simplício, e a manutenção das redes de energia elétrica ao longo dos 25 km de obras.

“Trabalhamos com a análise preliminar de níveis de riscos de processos, com a capacitação e a qualificação dos integrantes através dos treinamentos e com o monitoramento das equipes por meio da qualimetria, que mede a qualidade dos padrões de segurança nas atividades desenvolvidas no empreendimento”, relata Jadyr. “Isso é realizado a partir de uma lista de verificação e o encarregado é pontuado a cada 15 dias. No fim do mês, a pontuação será apresentada à comissão da PLR (Participação nos Lucros e Resultados) para análise crítica e avaliação”, ele acrescenta.

Formação de trabalhadores

Sessenta e cinco por cento dos trabalhadores do complexo hidrelétrico Anta/Simplício são das comunidades locais. Isso implica dar formação para pedreiros, carpinteiros, mecânicos de caminhão, motoristas, operadores, soldadores e eletricistas, entre outros. O desempenho dos novos profissionais é avaliado por encarregados de grande experiência, como José Osinair, que ninguém conhece por esse nome. Ele é o Zé Bodinho, paraibano de Piancó, 46 anos de Odebrecht e o passaporte recheado de obras no exterior. Ele logo define: ”Os desafios aqui são dois: logística e pessoal”. Para atender as frentes de serviço, Zé Bodinho passa o dia rodando entre elas. ”Faço uns 200 km por dia, não tem jeito.” Ele peleja, também diariamente, para ter os melhores profissionais em sua equipe: ”Tem muita obra por aí, tem muita disputa por gente experiente. Eu mesmo já perdi alguns para o exterior. Na área de equipamentos, a solução tem sido chamar os fabricantes para ensinar operação e manutenção dentro do canteiro”.

Zé Bodinho também está formando novos líderes de turma e encarregados. ”A gente tem investido naqueles que se destacam por ter iniciativa”, diz ele. Um dos que estão em avaliação é o fluminense de Petrópolis Luis Carlos Miranda, motorista de caminhão que trabalha como líder no controle do tráfego de caminhões na boca da janela 2 do Túnel 3. ”O objetivo aqui é evitar que a pá carregadeira fique parada dentro do túnel. É preciso manter o fluxo de caminhões, mas com segurança.” Rádio de comunicação na mão, ele explica: “Às vezes a gente precisa ser meio psicólogo, entende?”
Nas estradas de serviço, o fluxo de caminhões é totalmente monitorado. A partir deste ano, os veículos circularão entre três centrais de britagem, três centrais de concreto e mais de 50 km de rede elétrica. O relevo montanhoso, curvas fechadas, penhascos e cargas de alta tonelagem obrigam a um controle de velocidade rigoroso. A cada topo de subida ou descida, há uma placa indicando a velocidade e qual a marcha que cada modelo de caminhão deve engatar.

Para obter mais produtividade no canteiro de obras, Luiz Sergio Costa dividiu o trabalho em quatro “unidades de negócio”: a Usina de Anta; a Usina de Simplício; os serviços de terraplenagem, escavação e transporte no sistema de interligação; e os serviços de escavação e detonação nos túneis. “Com essa divisão”, ele diz, “otimizamos o trabalho dos líderes, especificamos tarefas e estabelecemos um Programa de Ação para cada unidade.”
Inovador e complexo, o projeto das usinas de Anta e Simplício precisa estar pronto para entrar em operação em 2010. Esta obra faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, do Governo Federal, e receberá investimentos totais de R$ 1,2 bilhão.
Essa AHE é o máximo.
Abraços